O Som na Música Tradicional Portuguesa
Aqui dá-se a conhecer parte da experiência pessoal do Avô Mokka e as ideias que lhe passaram sob a lustrosa careca, acerca do sensível tema do som dos nossos espectáculos de música tradicional. As opiniões são minhas e são discutíveis, como é evidente.Vejamos:
As aprelhagens que temos visto, são de boa qualidade, mas aptas a grupos que tocam com baixos eléctricos e baterias com bombos de fibra. Grupos de música de baile, de rock ou de pimba. Esses grupos usam instrumentos com som muito equilibrado, muitas vezes tratado electronicamente e em que os baixos são fortes (quanto mais forte melhor), a batida é seca, os bombos são abafados para manter a batida forte e seca. Os médios são dados por instrumentos electrónicos (pianos eléctricos e sintetizadores MIDI), por acordeões (um som comprimido por natureza, tal como quase todos os instrumentos de palhetas), ou por guitarras eléctricas. Os agudos não são muito diferentes dos nossos.
Pega-se nesta combinação e dá-se-lhe muita reverberação, para dar ilusão de ressonância e depois comprime-se o som. Esta coisa da compressão tem muito que se lhe diga e tem tudo a ver com o problema presente.
O som comprimido quer dizer que todos os harmónios de baixo volume que vinham misturados na música são aumentados e, em contrapartida usa-se um limitador para reduzir os harmónios que vêm muito altos.
Este tratamento, quando usado com força, como acontece na música de baile, de rock ou pimba, torna o som muito fácil de tratar pelos amplificadores e colunas. Não provoca distorções, torna todo o som muito igual em volume, toca tudo muito mais alto e faz com que as pancadas dos baixos sejam ainda mais secas e fortes. No extremo desta linha está a música das discotecas.
Para esse tipo de som funcionar bem, usam-se grandes altifalantes, com grandes caixas de ressonância, para amplificar graves e sub-graves, previamente separados do resto do som por aparelhos chamados cross-overs.
Na música tradicional, temos uma carrada de instrumentos acústicos, alguns deles com grandes caixas de ressonância (Braguesas, Campaniças, Violões e Violas-baixo acústicas) com uma gama de harmónios que vai dos 20Hz aos 2KHz. Cortar som acima dos 100Hz é um crime porque arruina a sonoridade tradicional e o volume destes harmónios é muito elevado em quase todos os arranjos de música tradicional.
Quando este som chega aos amplificadores e colunas destas aparelhagens (vulgo PA) é uma destruição. Os graves derretem tudo. Muitos técnicos não conseguem fazer som porque não percebem o problema. Outros conseguem resolver parte do problema (como em Resende), mas o som fica muito mau, é tudo baixos com ressonâncias exageradas, uma mistura de música tradicional com som de Rock, mas com os sons todos embrulhados uns nos outros.
Nos Trovas à Tôa, isto ia dando com o JP em maluco, uma ocasião em que a mesa de fora não conseguia levantar o botão do volume apesar de estar a receber som da nossa mesa apenas no mínimo (-12Dbs).
Tivemos de pedir ao técnico de fora para desistir e fui eu para mesa deles. Tive de baixar o volume de graves até 1/4 na mesa e mandar diminuir no amplificador de graves 50% relativamente aos outros. Mesmo assim ainda foi preciso ir ao equalizador e baixar as frequências de graves e desistir de qualquer compressão.
Este paleógrafo (parece técnico, mas não é) serve apenas para deixar entrever a dificuldade que muitos grupos devem ter em contornar o problema. Acredito que a maioria dos grupos do nível dos Trovas, caia no erro de adaptar o seu som natural, brilhante e alegre, com toda a música muito bem definida (tal como se espera que seja a música tradicional) e acabe por ficar com um som sobrecarregado de graves, batidas fortes, alguns instrumentos eléctricos (o baixo é o primeiro) e com som dos instrumentos acústicos todo embrulhado e a sofrer de um fenómeno chamado "Interrupção Acústica" que dá cabo do som.
Em resumo:
1- Muitas vezes, não é o som do grupo que se ouve, mas sim o som que o PA transformou.
2- Para conseguir tocar em aparelhagens alugadas, os grupos modificam o som indevidamente.
3- Isto não é defeito dos técnicos porque não há quem dê formação direccionada para tratamento de som de instrumentos acústicos. Os técnicos que sabem são uma elite que leva uma pipa de massa aos estúdios para quem fazem serviço.
Isto não devia ser um problema para grupos do nível do Maio Moço, A Ronda dos Quatro Caminhos ou da Brigada Victor Jara, por exemplo que tem conhecimentos e equipamentos muito melhores que os meus para resolver o problema, mas (não querendo desvirtuar o grupo) notei um pouco deste defeito na Ronda há dois anos atrás e já tive notícias de que continua a notar-se. Em grupos do nível dos Trovas à Tôa (100% amadores de baixo custo), isto pode ter um efeito bastante nefasto, principalmente se não conseguirem reconhecer o problema.
O ideal seria usar mais colunas, menos colunas de graves, usar uma amplificação neutra (em que o volume de som de graves médios e agudos seja o mesmo a zero Dbs). No fundo, parecido com os monitores de estúdio apenas com mais força. Isto é normalmente mais barato e permite investir na qualidade dos altifalantes e com qualidade digo Brilho, Resolução, Definição e Verdadeira Profundidade de som.
Sempre que não seja possível, cabe aos grupos terem o cuidado de se lembrarem que o equipamento serve para melhorar o som. Não é a música que tem de se adaptar ao equipamento. Antes de fazer o som, temos de obrigar o equipamento a reproduzir o som como se ele (equipamento) lá não estivesse, nem que tenham de cortar frequências até pontos inacreditáveis (é para isso que há botões que chegam ao "desligado"). Só depois disso é que se pode começar a compor o som e a dar a "ambiência" desejada. Os erros neste ponto saem sempre muito caros.
Isto é apenas o conselho de um tolo que se vai desenrascando. Deve haver soluções melhores e gostaria que mas dessem a conhecer.
ass. Avô Mokka (http://estudiosmokka.pt.vu)
www.trovas-a-toa.pt.vu
www.menestreis.pt.vu


8 Comments:
Os meus parabens por mais esta lição do Avô Mokka. Realmente quem tem pela musica tradicional um carinho e uma atenção muito profunda, fica totalmente decepcionado quando se atenta contra essa mesma musica, não tendo a devida atenção à minima qualidade do som emitido, para ao menos não desvirtuar a sua essência e a sua própria tradição.
Perdem-se verdadeiras oportunidades para por em evidência esta 'nossa' musica e dá-la a conhecer na sua 'verdade' a muita gente de fora que visita este nosso país.
Assiti à dias em Lisboa no Castelo de S.Jorge, na já tradicional Festa da Cerveja a um concerto da Ronda dos Quatro Caminhos. Mas que concerto? Foi um debitar de altissimos decibeis de som, que se era para acordar as pessoas não valia a pena, pois os milhares que lá estavam, bem acordados se encontravam. Mais parecia um conjunto de percursão e tambores, já que ouvir, o violino, uma concertina, foi miragem. Além disso os instrumentos tradicionais parece que neste grupo estão em declinio. Agora um sintetizador, um baixo, um vocalista de viola à cintura que só faz numero, substituem os intrumentos de corda tradicionais (violas, bandolins, braguesa, etc) Existe um violino que com tanta potência de baixos e percursão nem dá para perceber o que toca. Para onde vais Ronda? E tantos turistas atentos, mas a serem metralhados com tanto desleixo.
Resta-nos a esperança que pessoas como o Avô Mokka que preserva e incentiva a utilização de instrumentos tradicionais e um som o mais próximo possivel do original para estarmos seguros que a musica tradicional algures neste nosso Portugal é amada e estimada.
Um abraço deste seu neto atento.
Gostei de ler os vossos artigos. Sou apreciador de música em geral e gosto também da música tradicional. Estou a tentar compreender melhor como funcionam algumas coisas e tenho uma pergunta:
- Li num site www.visionentertainment.com, uma introdução sobre masterização que parece vir de encontro a algumas coisas que aqui se dizem. A masterização de um CD tem alguma semelhança com a composição do som de um espectáculo ?
ass. Pedro
Caro Pedro,
De facto existem fortes semelhanças na parte mais importante: o tratamento do som em si. Claro que a parte da preparação para gravação não funciona em espectáculos (Ditter, por exemplo). Tudo o que é Reverberação, Compressão, Limitação, Volume e até mesmo "Efeito de saturação" tem fortes semelhanças.
Uma vez que o meu amigo entende bem inglês, cá vai uma sugestão: veja também o artigo deste colega www.streamingmediaworld.com
Embora direccionado para a Internet, tem dicas muito interessantes que ajudam a compreender o funcionamento da masterização do som.
O único defeito é que nós não encontramos processadores digitais de 64 bits nem compressores multibanda com as características dos que os estúdios têm (que é onde se inspiram todos estes artigos). Aí tem de entrar a proverbial capcidade de improvisação que temos nós, portugueses.
Aprecie e volte a dar notícias.
Estive a ver o site que me indicou, mas é muito direccionado para a publicação de música na internet.
Se conhecer sites com artigos mais vocacionados para composição de som ao vivo, estou muito interessado.
Outra questão: os processadores de efeitos de guitarras eléctricas, funcionam bem com o som de outros instrumentos, ou tem mesmo de ser um processador (de rack) para funcionar bem a processar o som master de uma mesa misturadora?
Isto é no sentido de investir o mínimo possível, mas não sacrificar demais na qualidade.
Então o Avô Mokka esqueceu-se de incluir no blog a sugestão que me deu por e.mail.
A sugestão é óptima pois são dois execelentes artigos sobre masterização e som, embora direccionado para um programa em particular, pode aprender-se muito lendo estes dois artigos.
O endereço aqui fica: http://www.izotope.com/products/audio/ozone/guides.html
É só descarregar e ler (infelizmente só em inglês)
Uma pergunta:
De acordo com um artigo que li na net, está para começar a aparecer um novo formato de disco (DVD áudio) que pode ter THX 7.1 (sete altifalantes mais subwoofer), mas parece que com uma qualidade muito superior ao CD áudio e ao som actual dos DVDs.
Como a treta estava toda em calão técnico inglês, só percebi uma parte e como não sou técnico, há muita coisa que não percebi.
Já que pareces perceber algo disto, podes esclarecer ?
ass:
Um curioso
Estimado "Um Curioso":
De facto já lá vão uns dois anos que andam em competição dois sistemas mais potentes de gravação de som em disco de 12cm.
Um sistema é o DVD-Áudio e o outro é um sistema desenvolvido pela Sony de que não me lembro aqui o nome.
IMPORTANTE: DVD-Áudio não tem nada que ver com o som que os DVDs de filmes possuem neste momento.
As diferenças mais óbvias em comparação com o actual CD são:
Vou tentar ser o menos técnico possível.
RESOLUÇÃO CD:
A música em CD é a imagem gravada da onda sonora. A sua definição é limitada tal como acontece com as imagens digitais.
A resolução de CD é de 44.100 sinais por segundo, cada um deles transportando a informação da frequência e da amplitude do sinal nesse momento. Essa informação é um código de 16 bits (em cada sinal).
RESOLUÇÃO DVD-ÁUDIO:
Suporta 198.000 mil sinais por segundo, cada um deles transportando a informação da frequência e amplitude da onda num código de 24 bits.
Consequência directa: só o facto de haver 24 bits disponíveis para dar ao descodificador a informação de cada sinal, leva a gravação a possibilidades muito além do que imagina o vulgar dos mortais.
RESOLUÇÃO DO SISTEMA DA SONY:
Este é um sistema aberto que, pelo que entendi, suporta a resolução do DVD Áudio e mais ainda se a evolução a isso nos levar.
É importante realçar que os actuais aparelhos musicais não possuem capacidades para tratar o DVD-Áudio começando por uma razão eléctrica.
É que a amplitude (dada pelos 24 bits) pode ser tão alta que os circuitos do DAC (digital to audio converter) que funcionam a 5 volts, derretem. Os DACs de DVD-Áudio, têm circuitos de 10 volts. Para a lém do DAC, todo o sistema de amplificação e colunas tem de ser muito mais potente/resistente.
Este tema merece um tópico só para si (o que farei quando tiver tempo), mas deixo aqui uma consideração:
Num mundo em que o pessoal anda todo contente a ouvir música em MP3 (que é uma resolução fraquíssima), estes sistemas ainda vão levar o seu tempo a tornar-se populares. Principalmente porque envolvem a modificação (muito profunda) de todo um mundo de placas electrónicas, circuitos integrados, processadores, transformadores, membranas de altifalante, etc, etc, etc...
Para já, a maioria dos estúdios de gravação, trabalham com capacidades inferiores a isto. A percepção dos clientes vulgares não é tão exigente assim e a vontade de vender ainda não ultrapassou esses obstáculos.
Boas noites meus caros.
Essa josta interessa-me. As novas tecnologias têm sido sempre rápidas a implantar-se. Mais rápidas do que esperamos.
Isto quer dizer que o actual audio que ouvimos nos DVDs (dolby surround e outras marmeladas) é afinal material de segunda?
Andaram a enganar-nos?
Eu li algures que já existem DVD-Áudio desde o ano 2000.
Isto quer dizer que a Samsung, Sony, e aldrabice, Lda. andam a dizer que nos estão a vender material de última tecnologia e já está 6 anos ultrapassado?
Comentários???
Pedro Ferreira
Enviar um comentário
<< Home